domingo, 15 de junho de 2008

A RESPOSTA DA SOCIEDADE



A fome e o desemprego são problema mundiais. Em 1993, o Brasil encontrou uma maneira criativa de enfrentar problemas tão complexos. A sociedade brasileira se engajou na Ação da Cidadania contra a miséria e pela Vida, criou cerca de 3 mil comitês em todos os estados, se mobilizou para aplacar fome de 32 milhões de pessoas. O resultado, tão bom quanto surpreendente, mostra que é possível enfrentar o problema. Iniciativas das mais diversas provam que a aposta na cidadania rendeu frutos. O Banco do Brasil foi um dos pioneiros e transformou suas agências bancárias em comitês da campanha contra a fome. Em cerca de 2 mil agências, de uma rede de 3 mil no país, funcionários trabalham espontaneamente pela Ação da Cidadania contra a miséria e pela Vida. Recolhem e distribuem alimentos, apoia a construção de padarias comunitárias e creches e estão presente em 1500 cidades brasileiras. Nas empresas estatais, a adesão à Ação da Cidadania foi imediata, e hoje um comitê reúne cerca de trinta empresas que apoiam a campanha das mais variadas e criativas formas. Nenhum segmento da sociedade ficou indiferente ao problema. A resposta mais criativa partiu da classe artística. Mobilizados pela causa desde o primeiro momento, artistas de todas as áreas promoveram as mais interessantes manifestações culturais. Durante meses, os teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo apresentaram, antes do início do espetáculo, convocação para que os espectadores participassem da campanha. Ingressos eram substituídos por quilos de alimentos e a fome ganho os palcos, as telas, as salas de projeção, ganhou comerciais de TV e reuniu, num grande happening, quinhentos artistas na Semana da Arte contra a Fome, um revival da Semana da Arte Moderna de 22. Nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil cantaram contra a fome e contra a miséria em shows que se espalharam por todos o país. A mais impressionante das manifestações de apoio saiu, no entanto, da inusitada iniciativa das detentas do presídio Talavera Bruce. Foi idéia dessas mulheres presas mobilizar cerca de 4500 internos em nove presídios diferentes do Rio e doar para os comitês da Campanha as refeições a que têm direito. Foram 2,5 toneladas de alimentos que garantiram a alimentação de duzentas famílias por duas semanas de novembro do ano passado. Tudo isso e muito mais foi possível porque a sociedade apostou numa nova forma de fazer política, apostou na iniciativa de cada cidadão e cidadã, na descentralização como forma de organização, na iniciativa como forma de estimular a criatividade e as soluções próprias; apostou na parceria entre quem tem o que dar e quem precisa receber, como forma de quebrar a enorme diferença com que as classes média e alta lidam com o problema da fome e da miséria. O que se pode perceber é que a Ação da Cidadania, um ano depois de ganhar as ruas trouxe ao cidadão brasileiro uma nova forma de fazer política, com princípios e estratégias que sempre existiram de forma dispersa na sociedade. O primeiro sinal dessa mudança foi a constatação, inédita no Brasil, de que é possível agir a partir da sociedade e não a partir do Estado. Foi uma mudança no olhar e no andar político. A campanha também provou que é possível partir do concreto e singular e não do global abstrato.

Mas se a Ação da Cidadania cresceu tanto e em todas as áreas, é preciso ressaltar uma importante e decisiva adesão: a da mídia. Foi um passo e tanto na conscientização de um problema que, mesmo aos olhos de todos, era ignorado com uma indiferença tão escandalosa quanto a própria fome. Um dos primeiros comerciais veiculados nas emissoras de TV mostrava exatamente esse comportamento. Dentro de um carro, um senhor tipicamente de classe média fechava o vidro do carro quando um menino de rua, rosto triste e faminto, se aproximava para pedir dinheiro. O sinal abre, o carro anda, o menino fica com fome, A Ação da Cidadania foi o começo do fim da indiferença. Muito mais ainda precisa ser feito.

Herbert de Souza ( Betinho ) * Ano de 94

Nenhum comentário: